O problema é que eu sou feliz demais, cara. Eu sou feliz quando uma amiga me convida pra ir até à casa dela e me oferece um pedaço de bolo do meu sabor preferido. A gente dança, brinca, se diverte, fala das vadias que odiamos e dos caras que idolatramos. Até que, no meio da conversa, surge o seu nome. E a felicidade vai por água abaixo. O meu papel de mulher-que-superou se desmancha como um gelo no micro-ondas. Eu sou feliz demais quando um cara solta uma cantada ridícula pro meu lado, mas também sou triste demais porque essas idiotices me lembram você. Não era o loiro dos olhos verdes ou o moreno dos olhos-cor-de-mel que eu queria, era o par de olhos castanhos escuros e o corte de cabelo baixo que você tem. Juro que até abriria mão do ruivo de olhos azuis em troca da sua risada solta. O problema não é ser feliz, o problema é que qualquer tipo de felicidade me lembra a nossa. E qualquer indício de risada me lembra a época em que eu sorria fácil ao seu lado. Nada dói mais, mas vez ou outra tudo começa a doer sempre. Eu gosto do bolo que a minha amiga me oferece, mas gosto ainda mais da sua barba rala e dos pelinhos finos da sua nuca. A música da boate me faz ter vontade de dançar, mas lembrar dos seus olhos se enrugando ao se espreguiçar logo de manhã me faz sorrir. As coisas boas e plenas agora tem o seu rosto, o seu cheiro e o seu modo de andar. Semana passada eu recebi um telefonema que avisava que eu tinha conseguido um novo emprego ganhando três vezes mais do que o antigo e, puta merda, como eu fiquei feliz! Pulei, gritei e brindei com o melhor champanhe que estava estocado há séculos. Durou pouco, confesso, até o momento em que eu lembrei que esse seria o champanhe do nosso casamento e fiquei triste outra vez. Conseguir um novo cargo de trabalho é maravilhoso, mas não vale de nada se eu não posso dividir essa conquista com você. Entende toda a melancolia? Eu sofro porque tenho todos os motivos do mundo pra ser feliz, mas nenhum deles é o bastante. Eu poderia escolher mil e um caminhos diferentes pra trilhar ao lado de mil e uma outras pessoas diferentes e mais bem vestidas do que você, mas nenhum deles é tão bom quanto o esburacado e árduo caminho que era estar ao seu lado. Os meus impulsos gritam pra que eu te ligue, te chame, te convide novamente pra entrar aqui, ali, em mim, na gente. Respirar fundo é a resposta pra tudo. Não ligo, não chamo, não falo sequer um “oi”. É melhor assim, digo, cada um pro seu lado e a ironia no meio. Eu continuo sendo minha vida morna, com vestidos curtos em um dia e calça de moletom em outros. Meu ciclo de amizade não muda nunca, mas saber que os verdadeiros não se vão como você fez ainda me mantém de pé. Minha melhor amiga continua me dando entradas variadas dos mais diversos lugares bens frequentados da cidade e eles sempre tem o mesmo fim: a lata do lixo. O ruim é saber que eu nunca vou encontrar alguém tão interessante e sensual e moderno e tudo-que-eu-sempre-quis como você em nenhum desses locais meia boca. Droga, droga, droga! Oh shit. Todos esses merdas sarados e tatuados não chegam aos seus pés. E nenhuma divindade, seja lá ela qual fosse, é capaz de sentir o quanto eu queria que toda essa podridão de gente fosse melhor do que os seus livros, os seus discos e o seu lençol rasgado, mas elas não são. O mundo é monótono e vazio e cheio de poluição visível na tua ausência. Em um segundo ou outro, confesso que consigo ser tão feliz ao ponto de vê-lo em cor-de-rosa, mas logo em seguida tudo vira pó e cinzas de novo. Nenhuma felicidade é digna de ser vivida até a ultima gota que possui se você não estiver incluso na virgula principal dela.
- Capitule
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