É que naquele dia eu acordei e não era mais você. Não era mais sobre você que eu escrevia, e também não era sobre mais ninguém. Não era mais a sua voz na secretária eletrônica e nem eram os seus hábitos regrados que eu seguia. Não era o seu rosto, e eram outros rostos que em nada me lembravam o seu. E eu achei por algum tempo que eu não lembraria de nenhum traço, de nenhum laço, de nenhum gosto parecido com o nosso. Quando a gente fica muito tempo sem provar o sabor das coisas, a gente se esquece de como elas são. Se a gente era agridoce, eu já não sei mais. Não deve ser a hora certa, querido. Mas era. Era a minha hora certa e eu tinha o timing perfeito. E não foi outra daquelas vezes em que alguém deixou alguém ir embora, ou se esqueceu de fechar a porta com a chave. Só não era eu. Eu combinei de fazer uns planos, e eles eram pra dois. O que a gente faz depois disso? Você não sabe. Você nunca sabia o que fazer. Mas agora eu ouço pelos cantos que você reclama que eu usurpei o seu lugar. Eu tirei a placa de venda anunciada e permiti novas inquilinas. Novas farsas que não fedem nem cheiram. Novos sons que não chegam perto dos seus gemidos, mas elas gozam comigo e se despedem com um sorriso quando eu saio de dentro delas. Algumas até me dizem que eu sou melhor sozinho, e podem ter razão. Todo mundo tem razão alguma vez na vida. Você conheceu alguém, e não era eu. As pessoas mudam, meu bem. Mas você não é mais quem eu conheci um dia. E foi com esse clichê que você me acusou de ter trocado você por sextas mais animadas, meninas mais agitadas e novos lençóis a cada final de semana. Eu deixei você ir lá. Pra se descobrir. Pra se entediar. Pra me odiar. Pra me perder. E ainda assim não era eu. A sua história nunca foi sobre mim, mas sempre sobre você e as suas virtudes, e o seu orgulho, e o seu medo de ficar sozinha, e por não ter ninguém pra amar, e a sua raiva do silêncio, e quem você deveria encontrar de vez em quando. Você nunca foi sobre mim. Até que ontem você me disse que o problema era com você, e que também não era eu. Você me disse que já era e que eu devia ter pensado nisso antes. Todo mundo diz isso, e no fundo tem razão. Ela era bacana, falava de coisas bacanas e não me lembrava você em nada. Ela também pedia gin tônica e usava umas cores e coisas que você nunca usaria. Ela também fumava e a gente se esbarrou na área de fumantes de algum bar novo na cidade. Desses que você não gosta. Desses que você não quer conhecer. Ela sabia o que queria e não era eu. E citou essa mesma frase de Bukowski logo depois que saiu do meu apartamento sem deixar o telefone. Ela não era você, e nem era a minha página virada da história. Porque você não sabia o que queria, mas também não sabia se o que queria era eu. E não virou a página pra mim.
- Daniel Bovolento | Não Era Eu
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