Memória

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Carrego um super poder terrível: a minha memória. Eu lembro de cada faísca dessa vida: uma viagem, um chinelo da infância, um abraço, rosto, bebedeira, vacilo. Não esqueço um vacilo. É um poder insuportável, está altamente ligado a minha dificuldade de rompimento. Vejam só, eu escrevi três livros para a minha ex-namorada, então não é nenhuma novidade dizer que tenho dificuldade em quebrar laços. E o que torna essa memória um peso, é que ela não pode guardar tudo, aí, o que ela faz, é triturar e transformar o pensamento em saudade, pois assim ela consegue otimizar espaço, entende? Esse disco que estou ouvindo agora (Mais, da Marisa Monte) lembra a minha mãe, nossa casa na zona oeste de São Paulo, o chão de tacos quebrado, o prédio rosa, a minha infância. Certo, dei um exemplo bonito aqui, nesse caso pude escrever pra ela e dizer, "mãe, lembrei de você, ouve isso aqui", mas sabe quantas vezes uma música me faz ter vontade de dizer "ei, ouve isso aqui" e eu tive que ficar em silêncio? É claro que eu não posso enviar uma mensagem, ia parecer um doido. Eu lembro, o que eu posso fazer? Ver um filme é um risco, ir num show, correr no parque, olhar a cidade, tenho sempre uma lembrança na espreita. Eu guardo tudo, um amor imenso e um beijo que ganhei nos meus quinze anos. É um poder terrível para quem é sensível ao vento e dorme sem ter um novo nome pelo qual sonhar. Culpa destes olhos que carrego nos ombros, tão desatentos ao presente. Não que eu quisesse não ter memória (sei que você pensou no ‘Brilho eterno de uma mente sem lembranças'), só queria lembrar do que ainda pode fazer alguma diferença pra minha vida, para quem eu possa dizer, "pensei em você hoje, lembrei que, quando jantávamos num mesa de dois lugares, e estávamos de frente um para o outro, você colocava a cadeira do meu lado, como quem avisasse que não pode estar tão longe". Imaginem só, lembrar disso em todo restaurante. É um super poder terrível.

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